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A season finale de House

Help me. O título do episódio é uma frase que poderia ser dita por qualquer um no episódio, e é um mote recorrente em House. Help me. Nas entrelinhas, eu leio esse pedido desde o começo da série, e por isso, ao contrário de uns e outros, a 6a temporada, que admito não ter sido nem de longe a melhor, também não me soou a desastre e desgaste da fórmula. Apenas o prosseguimento natural de uma linha que começou 6 anos atrás.

Que linha? Que fórmula? Ok, falemos de House. A série tem como temática central procedimentos médicos. Em teoria, a mesma linha de ER, Grey’s anatomy, Mercy e tantas outras séries que já vieram e foram na telinha. Mas House é, e sempre foi, totalmente diferente. Fora dos padrões convencionais de séries com essa temática, House aposta na angústia e no drama pessoal, (quase nada) não só dos pacientes, mas (em especial) também do personagem título, Gregory House.

House é um médico aparentemente amoral, caótico, voltado para o resultado e insensível pra dizer o mínimo. Aparentemente. Na verdade ele é uma pessoa que grita help me desde o primeiro episódio. E é essa trajetória, a trajetória de um grito de socorro, que é a tal linha que culminou no desfecho da sexta temporada. E senta que lá vem spoiler.

Longa história curta, House é um médico que sofreu um drama pessoal: um problema na perna que tinha como solução mais aconselhável a amputação, mas ele se recusou. Em consequência passou a sofrer de dores terríveis que o jogaram em uma espiral de auto-piedade, comiseração, questionamentos e desilusões. O resultado final? Uma pessoa amarga, viciada em analgésicos controlados, que escolhe o cinismo como arma na tentativa de evitar sofrimentos futuros. E começa a jornada do anti-herói. Sem objetivos nobres como salvar sua amada ou mesmo executar seu auto-resgate, House inicia seu caminho tortuoso rumo ao fundo do poço que, por mero detalhe, não tem fundo. Isso não afeta, talvez até aguce, sua genialidade em descobrir mistérios médicos onde todos já teriam desistido. E tendo o sucesso profissional como reforço positivo em uma vida de reforços negativos, ele continua descendo, descendo, descendo…

Isso gerou episódios maravilhosos nas primeiras temporadas, mas que a coerência interna seja respeitada: esse caminho para baixo tem um limite. Além de certo ponto, não é possível continuar. Ou se deixa de existir, ou é preciso começar a tentar trilhar o caminho de volta. Com altos e baixos (mais baixos para o personagem do que altos – e vice versa para os episódios) isso acontece no fim da quinta temporada. House atinge o tal point of no return… (a “encruzilhada”, pra falar o bom português!) alucinando por conta de seu vício em analgésicos e incapaz de confiar em seu próprio julgamento, o personagem descobre das piores maneiras possíveis que ele não pode mais ser quem ele é: de uma forma ou de outra, despencando no abismo ou tentando escalar a murada, a mudança não é escolha: é contingência.

A sexta temporada inicia com House na clínica de reabilitação, iniciando o longo caminho de volta à… não importa, é um longo caminho de volta. Para os fãs do ácido Gregory House, pode ter sido um baque negativo vê-lo optar por ser feliz. Para os fãs da trajetória humana (e do anti-herói), foi apenas necessidade. E o caminho é tortuoso. O House sóbrio (ou não tão sóbrio assim, já que em dado momento o álcool vira um substituto do vicodin) pode parecer chato. Mas reconstruir a auto-estima, acreditar que sua competência não estava ligada ao vício, optar por escolhas “politicamente corretas” tentando quebrar o ciclo de negativismo, enfim, a tentativa de ser bom pode não ser tão divertido de se assistir de fora como o amoralismo eficiente. Mas psicologicamente, foi uma temporada inteligente, inclusive nos fracassos.

Fracassos porque essa não é uma jornada dada. Na tentativa de ser bom, House se torna um moleque mimado, carente de atenção, frustrado ao ver que a relação fazer o bem / receber o bem não é linear nem garantida. O bem é um conforto para a consciência, e para quem há muito já não a tem, parece um conforto inútil. Em recaídas de comportamento, tentando não ceder ao vício, e brigando para tentar ser feliz, ele ainda está sofrendo as consequências de escolhas passadas e padrões formados, além do fato da vida não ser justa e ponto final. Assim, vai perdendo tudo que lhe é mais caro: a proximidade com o amigo Wilson e a possibilidade do amor de Cudy.

O último episódio começa com um ato simbólico do House que quer ser feliz, e que quer acreditar que será feliz se fizer o certo, independente do seu desejo. Os motivos ulteriores existem, mas o ato é meta-simbólico: ao fazê-lo, ainda que esperando a maior das recompensas, ele o faz de forma altruísta, independente do resultado.

Mas ao constatar que o resultado não é o que desejava, surge o questionamento moral: o que eu estou ganhando em fazer o certo? E é nesse estado de espírito que ele se depara com Hanna, a mulher soterrada sob os escombros que vive um dilema muito próximo ao que House é familiar: a vida ou a perna?

A perna, como sempre, não é só uma perna. É a perda máxima. É o desprendimento supremo. E a vida não é só a vida, é a possibilidade de redenção, é a fé pela fé e o vislumbre da alegria. E no fim das contas, Hanna irá perder ambos. E House irá se sentir como se tivesse perdido ambos também…

Mas antes disso, lutando por Hanna (quando na verdade ele luta por si mesmo) House tropeça, escorrega, cai no sempre próximo abismo que nos rodeia e ali fica pendurado, caí não caí, até a cena final do episódio. Toda a tensão dramática do dia (e do episódio, e da atuação sempre magisral do Hugh Laurie) desemboca na dramática morte de Hanna e no fim de todas as esperanças de House.

Dr. Eric Foreman: You can’t blame yourself for her death. This wasn’t your fault.
Dr. Gregory House: THAT’S THE POINT! I did everything right. She died anyway! Why the Hell do you think that would make me feel any better?

Dr. Eric Foreman: Você não pode se culpar pela morte dela. Não foi sua culpa.
Dr. Gregory House: É ESSE O PONTO! Eu fiz tudo certo. Ela morreu da mesma maneira. Como diabos você acha que isso iria me fazer sentir melhor?

Fazer o que se acha certo e frente ao caos que é o universo, manter a fé. Não a fé em deus, mas em si. A fé no que é certo. A fé na lei suprema da ação-reação. A fé de que no final, tudo vai se ajeitar… No episódio Help me, outro point of no return, outra encruzilhada. House chegou no limite máximo do quanto a fé pode suportar sem compensação, sem um afago, um conforto, um alívio. E quando ele está a um instante de se jogar no abismo onde se segura trôpego, ele é resgatado por Cuddy.

Ele poderia ter caído, recomeçado a tal espiral de auto-piedade, comiseração, questionamentos e desilusões. A sétima temporada poderia ser mais do mesmo, uma aposta de que o House ácido não era uma fórmula esgotada e ver o quanto ela se sustentava. Eles resolveram investir na tal da esperança (alguém pensou no final de LOST?). No alívio. Na possibilidade de que a tal da redenção é sempre, sempre mesmo, possível, e no “E foram felizes para sempre”.

Mas em House, assim como na vida, o para sempre é só até virarmos a página. Página essa que será a sétima temporada, e só os roteiristas sabem o que eles nos reservam…

3 comentários em “A season finale de House

  1. Adriana embora “help me” uma temática que tem se desenvolvido ao longo da série, acho que só faltou mencionar que a premissa inicial do House desde o episódio piloto sempre foi “everybody lies”, ou como disse o autor David Shore uma espécie de ensaio sobre a verdade.

    Afinal centrada no seu anti-herói de habilidades sherlockianas o forte dos episódios é a investigação que os médicos realizam, o processo de abdução (conhecida pra nós com dedução, mas abdução seria o termo epistemologicamente correto) pela qual chegam a descoberta do que é a doença ( não necessariamente sua cura) e as implicações e debates éticos e metafísicos que acompanham todo o processo.

    Claro que o elemento pessoal é forte, não estou negando, é evidentemente um dos pontos mais fortes da série. Quem não se identificar com pelo menos uma e pelo menos em parte com uma daquelas personagens desgraçadas levante a mão!

    Apesar disso espero que eles consigam sair do eterno status quo que assombra o seriadoe dar um desfecho e não continuar em uma interminável sequencia caça níqueis (embora certamente a estrutura da série teria potencial para continuar ad infinitum)

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    1. Corretíssimo (ou pelo menos mais correto que a dezena de erros de português no meu post… vou ver se corrijo agora. LOL) . Não enfoquei nisso porque estava em parte subentendido em “série de procedimento médico mas fala diferente” e porque na verdade a intenção do post foi rebater o que andei lendo por aí que a 6a temporada não foi coerente. Então peguei a linha do Help Me que é a trajetória pessoal do House, paralela as tais abduções (ok, epistemologicamente correto, mas quando escrevo acho que alguns ets vão aparecer e me levar…).

      E os debates éticos e metafísicos são encontrados aí, na investigação médica, mas também no drama pessoal. E o post trava outro debate ético, a de achar estranho o desejo que o House continuasse descendo poço abaixo em prol do divertimento. Ou não era não, mas escrevi isso agora porque fez sentido…

      De qualquer forma, porque além do caráter filler (caso da semana) que a série tem que permitira seguir indefinidamente (não falta doença estranha, ou doença comum com sintoma estranho, etc), quando a série se foca TAMBÉM na trajetória do House, ela aponta pra um final, pra uma conclusão, um desfecho… Poderia ser até o episódio Help me que encerra a 6a temporada, mas não é, e outras oportunidades de conclusão vão aparecer. Mas obvio, enquanto der ibope, a série continua…

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